Por sua natureza, a arquitetura possui uma presença pública óbvia e poderosa. Independentemente de sua função, os edifícios constituem o pano de fundo material da vida pública; o projeto de cada edifício impacta a cidade e a experiência daqueles que nelas vivem e trabalham. A arquitetura, no entanto, é mais que um cenário. Enquanto que alguns edifícios "icônicos" agem como objetos, muitas vezes vaidosos para exibir aspirações e egos de arquitetos e clientes, o espaço dentro e ao redor desses edifícios é, como nos demais, público: compartilhado, usado por comunidades de pessoas, com efeitos psicológicos e emocionais em muitos de nós. Pense em lojas pequenas e grandes, bancos, escritórios e muitos outros que, mesmo sendo privados, desempenham papéis importantes na vida pública cotidiana.
É o interior destes edifícios coletivos que tem sido progressivamente rebaixado conforme arquitetos e clientes trabalham juntos para maximizar o impacto de seu exterior. Ora, a vida de um edifício público, seja ele um tribunal ou um shopping center, não cessa uma vez que adentramos neles.
Hoje, existe o risco dos edifícios tornarem-se arquitetonicamente estéreis, lugares desalmados, ao invés de serem considerados estruturas que delimitam espaços públicos especiais. Para compreender como o fator expressivamente externalizado do impacto visual gradualmente dominou a ideia da arquitetura como um nobre serviço ao grande público, é necessário olhar para a história recente da arquitetura.
No fim do Século XIX, Chicago lançou as estruturas de aço, que possibilitaram construções realmente altas. Em 1892, o Edifício Monadnock, de Burnham & Root, com 20 pavimentos, uma pesada estrutura de alvenaria e paquidérmicas paredes de dois metros de espessura no perímetro dos pavimentos inferiores, foi suplantado em termos de projeto estrutural apenas um ano depois pela extensão em quadros metálicos de Holabird & Root para o mesmo prédio. O Edifício Reliance de Burnham & Root [1894] e a Loja Schlesinger & Mayer de Sullivan [1889] seguiram a tendência.
Simultaneamente na França, Auguste Perret experimentava com concreto, ainda que mais interessado em suas qualidades materiais do que em suas propriedades estruturais. Avançando - via Le Corbusier, International Style e Funcionalismo -, o quadro (frame) se torna norma; não mais associado ao imperativo estrutural do arranha-céu, mas ao plan-libre e à ideia da fachada como quadro. Durante grande parte do Século XX, a fachada é construída como um sistema de painéis contido pelo quadro, e praticamente qualquer material pode ser empregado.
Pulando para outra geração, para o início dos anos 1970 e a crise energética. Edifícios estavam claramente consumindo energia demais e muitos projetos modernistas, servidos de tecnologias construtivas relativamente primitivas, eram alguns dos piores indiciados. Em partes remotas do Novo México e do Colorado, arquitetos começavam a explorar métodos de construção sustentável que poderiam aquecer ou resfriar edifícios. Estes eram artifícios simples - orientações acertadas, massa térmica, paredes trombe (nas quais vidros recobrem uma parede espessa). Uma nova cultura vernacular emergia indicando que posicionamento, morfologia, construção e manuseio da insolação poderiam convergir para criar uma forma holística de projeto.
Ao mesmo tempo, na prática disseminada, frames originavam paredes duplas, fachadas ventiladas e vedações não-estruturais desenvolvidas para separar o frio e a umidade do interior aquecido e seco. Nasciam os sistemas de revestimento externos. Em cem anos, o que teve início como uma solução de engenheiros para arranha-céus, propagada pelo sonho arquitetônico modernista, resultou no exterior independente.
Dentre essas novas formas de construir, um deslocamento similar estava a caminho com a emergência de uma nova especialidade profissional - o design de interiores - encarregada dos espaços contidos pelos frames estruturais. Designers de interiores trabalharam inicialmente concebendo lojas, escritórios e notáveis apartamentos de luxo, em shopping centers e edifícios comerciais, nos quais a arquitetura não completava seus espaços especulativos. O surgimento de redes de marcas e a massificação de acessórios consolidou a função do designer de interiores como um conhecedor dos consumidores, que é como os indivíduos cada vez mais foram vistos e, efetivamente, passaram a ser. E, de repente, o designer de interiores teve seu papel expandido para todos os aspectos do edifício.
Hoje, novas técnicas, formas de trabalho e maneiras pelas quais profissionais são envolvidos, todas apontam para uma profissão incapaz de criar verdadeiros espaços públicos adequados ao interior dos edifícios, ainda que, outrora, este espaço interno fosse do domínio do arquiteto tanto quanto a fachada ou o corte.
Mas deveria nossa geração contentar-se em produzir objetos tão vazios adornados em vestes tão caprichosas? Deveria estar obcecada com forma e superfície ao invés de conteúdo e um real espaço público arquitetônico?? Quão positiva pode ser esta crescente especialização em especificidades para a criação de edifícios que abordam a ideia de cultura cívica e bem comum? Não seriam estes temas que requerem a formação do arquiteto - diferente daquela do designer de interiores - tão plenamente quanto a dimensão urbanística do projeto?
Como refletiu Ove Arup: "A civilização se constrói com especialização; A especialização pode destruir a civilização". Para reparar a cisão entre a aparência externa e o funcionamento interno dos edifícios, os arquitetos têm de assumir seu propósito social e cívico maior e reestabelecer seu papel central na comissão e criação de novas diretrizes. Precisamos ser vistos como parceiros criativos, profissionais e executivos trabalhando como aliados de nossos clientes na realização de seus planos e objetivos. Estas tarefas não deveriam ser delegadas a consultores de gestão ou marketing, nem a serviços imobiliários, gestores de projeto, designers de interiores ou construtores, mas a arquitetos.
Para que os edifícios públicos visem valores públicos, precisam ser concebidos por dentro e por fora. Somente então poderá a arquitetura ter um impacto social mais profundo e criar estruturas tipológicas e organizacionais significativas. Somente assim poderemos projetar espaços públicos verdadeiros, de dentro para fora.
Simon Henley é professor, autor do aclamado livro The Architecture of Parking, e co-fundador do escritório londrino Henley Halebrown Rorrison (HHbR). Sua coluna London Calling dirige-se à realidade cotidiana de Londres, sua cultura arquitetônica e seu papel como polo arquitetônico global.